A inquilina silenciosa
Vive ali, na minha cabeça, sem pagar renda e a maltratar a mobília.
Ora, pois então que a questão se adensa e todos os meus neurónios batem palmas enquanto fazem croché. É como quem diz: lá estou eu a pensar sobre os meus pensamentos.
Desde o "o que faço para jantar", passando por "não gosto daquela camisola", até às “mulheres do século XVI que deviam cheirar a xixi”, (pois todas sabemos o trabalhão que dá não ter WC e termos que nos aliviar sem salpicar os sapatos).
Enfim, divagações.
Talvez devesse começar uma rotina de skin care. Mas como? Eu e rotinas? Era bom que viessem em pastilhas. Tomava com água e já está… mas como sempre, esquecer-me-ia ao terceiro dia.
No meio desta salganhada mental, surgiu ela.
— Tens que arrumar a casa.
O grito ecoava, insistente como um alarme num poço de petróleo.
Esta voz é uma velha conhecida. Vive na minha cabeça, sempre pronta a disparar.
— Olha que não — respondi eu, no meu melhor tom de repartição de finanças. — Hoje é dia de limpeza quinzenal. Está marcado.
Mas hoje não. Hoje ela quis ser atendida.
Lá fui eu. Fiz o que era preciso: apanhei legos assassinos, recolhi pacotes de bolachas, fiz camas, arrumei pijamas, tratei da loiça na máquina e fiz uma máquina de roupa.
Tudo arrumado!
Pensei que bastava. Não bastou.
Esta voz, agora transfigurada, cuspiu-me na cara:
— Bom, bom era ninguém vir. Assim estava menos mal.
E foi então que percebi.
Ali no canto, encolhida, mas com um ar viperino, espreitava ela.
A culpa desdenhava.
"Devias ter sido tu", dizia sem abrir a boca.
Roí as minhas unhas mentais.
— Mas é para isso que contrato ajuda — defendi-me.
Ela não sorriu porque não precisou. Limitou-se a ficar, com aquele ar de quem sabe que, no fundo, é sempre ela quem manda.
Disclaimer - Ins(pirações)
Não sei se interessa a alguém, mas para que me lembre no futuro o que me levou a escrever algo, vou começar a colocar as ideias que fizeram surgir cada texto. Quem saber dará jeito para as consultas de Psicanálise que não faço.
***Este texto surgiu para analisar porque nos dias em que tenho limpeza agendada é quando sinto mais urgência em arrumar e porque após o fazer desejo que ninguém venha.
Alguém por aí que sofra de assombrações deste género?
Há alguém que não sofra de assombrações destas?
A minha culpa vem mais por coisas que fiz do que as que deixei de fazer. Fico me martirizando pelo simples fato de ser um ser humano que erra e que não é perfeita, e essa semana mesmo estava pensando em como escrever sobre isso de forma lúdica e poética. Gostei muito do texto! Hahaha de você conversando com seu culpa.
Manda ela calar a boquinha