Foi com sardinhas que me despedi de ti
“Diz que a sardinha já está bem gordinha e escamuda por esta altura.” Foram das últimas palavras que me disseste. Engraçado ser essa a nossa última troca. Conversas parvas, soltas e levezinhas sobre gastronomia. Ainda por cima, sobre sardinhas.
Gostavas de as comer no pão. A fatia era sempre a mesma no prato, a sardinha é que rodava. Entrava gorda, cheia de molhanga, e saía enxuta, quase depois de uma lipo. Ficava até ao tutano, tudo limpinho. Acompanhavas com salada de tomate coração de boi, daquele da horta do Pai, e pimentos acabados de sair da grelha.
Curioso ter sido essa a conversa final. Logo contigo, que nasceste no dia de Santo António. Tinhas o cheiro leve a manjerico e facilmente sacavas de uma graçola, daquelas que bem podia estar colada num palito, enterrada num vaso. Quantas rifas enrolámos juntas, para as quermesses da creche onde trabalhavas.
Junho chegava e parecia que o mundo inteiro se punha em bicos de pés, levantava as saias e sacudia a poeira. Estamos em junho. Véspera de Santo António. Naquele convite dengoso do quase-verão a espreitar na esquina. Multiplicam-se os bailaricos, cheios de bifanas, e aquele perfume a eucalipto que decora os mastros pela cidade, onde as lânguidas tardes-noite parecem durar um dia inteiro.
Mas faltas tu.
No meio dos dias e dos compassos agitados, faltas. Falta aquela mão e o colo que me esperava sempre, mesmo que depois de um “eu avisei”, dito sem palavras. Faltas, Mãe.
Mas tenho os manjericos.
Inspiracao para o texto
Neste texto toda a possível ficção é a mais fictícia realidade. Junho para mim é sempre agridoce por ela.
Foi emocionante este texto 😍