Carta para quem ficou em silêncio
Nem tudo se diz. Mas o que não se disse, pesa. E às vezes, escreve-se.
Querias-me amarrada ali.
Como aquele cavalo que sempre viveu preso debaixo da mesma árvore e que, mesmo sem a corda, continuaria ali.
Querias-me ao relento, enquanto o desgosto nos corroía por dentro e nos mastigava aos bocados.
Ficaram por fazer tantos telefonemas.
As cartas que o carteiro não trouxe.
Aquele abraço de “boa sorte, filha” que nunca chegou.
Devem ter ficado esquecidos junto aos parabéns pelo curso que tirei enquanto trabalhava e que, ainda hoje, não sabes qual foi.
Não me conseguiste prender, nem cortar as asas que eu própria costurei.
Ponto por ponto, mesmo tortos.
Parti com a mochila às costas. Levei as esperanças de quem quer ver o que há para lá da porta.
E o rancor.
A mágoa de saber que não podia curar quem ficava.
Já não havia nada a fazer. O diagnóstico era fatal.
Mas podias ter tornado mais leve o molho de culpa que não era meu.
Também não era teu.
Nem dela.
Era daquela merda do cancro.
Foi ela (mesmo já agarrada à cama) que me olhou fundo nos olhos e me impediu de desistir.
Disse-me que os pais devem ajudar os filhos a voar.
Que de nada lhe serviriam as minhas asas.
Sei que te doía vê-la assim.
Cuidar de quem se ama, quando já não há corpo que aguente, é cru.
Mas não precisavas de me expulsar com o teu orgulho ferido.
Virei-te as costas. Magoada.
As palavras que não disseste nunca chegaram.
E já é tarde.
Mesmo que ainda as tenhas entaladas na garganta.
Escrever só Às vezes?? Todos os dias escrevo. Para mim, todos os dias, tudo aquilo que não digo, ou não posso dizer - escrevo. É a melhor solução.