Dancinhas, santinhos e outros disparates modernos

D. Arminda Tik Tok crónica

Hoje veio cá um miúdo, daqueles que parece que já nasceu com filtro de Instagram e falta de sol nas pernas. Disse que se chamava Kiko, como se isso fosse nome de gente. Eu, que vivi tempo suficiente para saber distinguir nome de alcunha, senti logo a tontura do disparate.

— “Quero ganhar seguidores no TikTok”, disse ele, com o peito cheio de esperança e as calças rasgadas de propósito. E eu, que pensei que TikTok ainda fosse nome de rebuçado, percebi logo que estava velha. Mas não burra.

Expliquei-lhe, com a delicadeza de quem já não tem tempo a perder: “Ó filho, com a merda que publicas e o jeito que tens para dançar (que é nenhum), devias agradecer aos santinhos cada alma que se digna a ver aquilo. E mais: só te seguem porque são como aqueles que empancam o trânsito para ver acidentes. Por morbidez, não por talento.”

O Kiko, claro, fez aquele ar de peixe fora de água. Não lhe bastava a ignorância, ainda vinha armado em ofendido. E eu lá continuei, que já que começo, não me calo por pouco: “Filho, aproveita enquanto dá. Depois metes tudo no Twitter, ou no X (ou lá como se chama agora) que aquilo é só gente a gritar para dentro. Quem sabe, ainda te tornas num meme.”

Ele saiu dali com o ego a arrastar-se, como deve ser. A vida já está cheia de gente a bater palmas a palermas. Alguém tem de fazer o serviço sujo: — Lembrar que nem tudo o que brilha é algoritmo. Que talento não se edita, e que, no fim, as dancinhas acabam, mas a vergonha, essa, fica online para sempre.